quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Não matem o mensageiro por revelar verdades incômodas

Este é o título do artigo de Julian Assange, Editor-chefe do WikiLeaks.
Sua prisão é na realidade uma retaliação da ditadura Imperialista. A prisão de Julian Assange e o boicote das operadoras que monopolizam os cartões de crédito no mundo e outras empresas como Amazon.com é uma real mordaça ao direito de imprensa e de opinião, imposta pelos EUA e seus seguidores.

O Wikileaks ao divulgar os documentos não só expõe a verdade, mas deixa a nu a política imperialista que fala em democracia, mas na verdade impõe suas regras a todos os povos. Para quem não quer obedecer, perseguição, guerra e tortura. São os ditos civilizados como EUA e Inglaterra que mais torturam no mundo, que menos respeitam os direitos humanos.

Abaixo a íntegra da opinião de Julian Assange, em português de Portugal:

Não matem o mensageiro por revelar verdades incómodas

por Julian Assange [*]
WIKILEAKS merece protecção, não ameaças e ataques.

Em 1958 o jovem Rupert Murdoch, então proprietário e editor do jornal The News, de Adelaide, escreveu: "Na corrida entre o segredo e a verdade, parece inevitável que a venda sempre vença".

A sua observação talvez reflicta o desmascaramento feito pelo seu pai, Keith Murdoch, de que tropas australianas estavam a ser sacrificadas inutilmente nas praias de Galipoli por comandantes britânicos incompetentes. Os britânicos tentaram calá-lo mas Keith Murdoch não foi silenciado e os seus esforços levaram ao término da desastrosa campanha de Galipoli.

Aproximadamente um século depois, WikiLeaks está também a publicar destemidamente factos que precisam ser tornados públicos.

Criei-me numa cidade rural em Queensland onde as pessoas falavam dos seus pensamentos directamente. Elas desconfiavam do governo como de algo que podia ser corrompido se não fosse vigiado cuidadosamente. Os dias negros de corrupção no governo de Queensland antes do inquérito Fitzgerald testemunham do que acontece quando políticos amordaçam os media que informam a verdade.

Estas coisas ficaram em mim. WikiLeaks foi criado em torno destes valores centrais. A ideia, concebida na Austrália, era utilizar tecnologias da Internet de novas maneiras a fim de relatar a verdade.

WikiLeaks cunhou um novo tipo de jornalismo: jornalismo científico. Trabalhamos com outros media para levar notícias às pessoas, assim como para provar que são verdadeiras. O jornalismo científico permite-lhe ler um artigo e então clicar online para ver o documento original em que se baseia. Esse é o modo como pode julgar por si próprio: Será verdadeiro este artigo? Será que o jornalista informou com rigor?

Sociedades democráticas precisam de meios de comunicação fortes e WikiLeaks faz parte desses media. Os media ajudam a manter o governo honesto. WikiLeaks revelou algumas verdades duras acerca das guerras do Iraque e Afeganistão, e desvendou notícias acerca da corrupção corporativa.

Há quem diga que sou anti-guerra: para que conste, não sou. Por vezes os países precisam ir à guerra e há guerras justas. Mas não há nada mais errado do que um governo mentir ao seu povo acerca daquelas guerras, pedindo então a estes mesmos cidadãos para porem as suas vidas e os seus impostos ao serviço daquelas mentiras. Se uma guerra é justificada, então digam a verdade e o povo decidirá se a apoia.

Se já leu algum dos registos da guerra do Afeganistão ou do Iraque, algum dos telegramas da embaixada dos EUA ou algumas das histórias acerca das coisas que WikiLeaks informou, considere quão importante é para todos os media ter capacidade para relatar estas coisas livremente.

WikLeaks não é o único divulgador dos telegramas de embaixadas dos EUA. Outros media, incluindo The Guardian britânico, The New York Times, El Pais na Espanha e Der Spiegel na Alemanha publicaram os mesmos telegramas.

Mas é o WikiLeaks, como coordenador destes outros grupos, que tem enfrentado os ataques e acusações mais brutais do governo dos EUA e dos seus acólitos. Fui acusado de traição, embora eu seja australiano e não cidadão dos EUA. Houve dúzias de apelos graves nos EUA para eu ser "removido" pelas forças especiais estado-unidenses. Sarah Palin diz que eu deveria ser "perseguido e capturado como Osama bin Laden", um projecto de republicano no Senado dos EUA procura declarar-me uma "ameaça transnacional" e desfazer-se de mim em conformidade. Um conselheiro do gabinete do primeiro-ministro do Canadá apelou na televisão nacional ao meu assassinato. Um bloguista americano apelou a que o meu filho de 20 anos, aqui na Austrália, fosse sequestrado e espancado por nenhuma outra razão senão a de atingir-me.

E os australianos deveriam observar com nenhum orgulho o deplorável estímulo a estes sentimentos por parte de Julia Gillard e seu governo. Os poderes do governo australiano parecem estar à plena disposição dos EUA quer para cancelar meu passaporte australiano ou espionar ou perseguir apoiantes do WikiLeaks. O procurador-geral australiano está a fazer tudo o que pode para ajudar uma investigação estado-unidense destinada claramente a enquadrar cidadãos australianos e despachá-los para os EUA.

O primeiro-ministro Gillard e a secretária de Estado Hillary Clinton não tiveram uma palavra de crítica para com as outras organizações de media. Isto acontece porque The Guardian, The New York Times e Der Spiegel são antigos e grandes, ao passo que WikiLeaks ainda é jovem e pequeno.

Nós somos os perdedores. O governo Gillard está a tentar matar o mensageiro porque não quer que a verdade seja revelada, incluindo informação acerca do seu próprio comportamento diplomático e político.

Terá havido alguma resposta do governo australiano às numerosas ameaças públicas de violência contra mim e outros colaboradores do WîkLeaks? Alguém poderia pensar que um primeiro-ministro australiano defendesse os seus cidadãos contra tais coisas, mas houve apenas afirmações de ilegalidade completamente não fundamentadas. O primeiro-ministro e especialmente o procurador-geral pretendem cumprir seus deveres com dignidade e acima da perturbação. Fique tranquilo, aqueles dois pretendem salvar as suas próprias peles. Eles não conseguirão.

Todas as vezes que WikiLeaks publica a verdade acerca de abusos cometidos por agências dos EUA, políticos australianos cantam um coro comprovadamente falso com o Departamento de Estado: "Você arriscará vidas! Segurança nacional! Você põe tropas em perigo!" Mas a seguir dizem que não há nada de importante no que WikiLeaks publica. Não pode ser ambas as coisas, uma ou outra. Qual é?

Nenhuma delas. WikiLeaks tem um historial de publicação quatro anos. Durante esse tempo mudámos governos, mas nem uma única pessoa, que se saiba, foi prejudicada. Mas os EUA, com a conivência do governo australiano, mataram milhares de pessoas só nestes últimos meses.

O secretário da Defesa dos EUA, Robert Gates, admitiu numa carta ao congresso estado-unidense que nenhumas fontes de inteligência ou métodos sensíveis haviam sido comprometidos pela revelação dos registos de guerra afegãos. O Pentágono declarou que não havia evidência de que as informações do WikiLeaks tivessem levado qualquer pessoa a ser prejudicada no Afeganistão. A NATO em Cabul disse à CNN que não podia encontrar uma única pessoa que precisasse de proteger. O Departamento da Defesa australiano disse o mesmo. Nenhuma tropa ou fonte australiana foi prejudicada por qualquer coisa que tivéssemos publicado.

Mas as nossas publicações estavam longe de serem não importantes. Os telegramas diplomáticos dos EUA revelam alguns factos estarrecedores:
• Os EUA pediram aos seus diplomatas para roubar material humano pessoal e informação de responsáveis da ONU e de grupos de direitos humanos, incluindo DNA, impressões digitais, escanerização de íris, números de cartão de crédito, passwords de Internet e fotos de identificação, violando tratados internacionais. Presumivelmente, diplomatas australianos na ONU também podem ser atacados.
• O rei Abdula da Arábia Saudita pediu que os EUA atacassem o Irão.
• Responsáveis na Jordânia e no Bahrain querem que o programa nuclear do Irão seja travado por quaisquer meios disponíveis.
• O inquérito do Iraque na Grã-Bretanha foi viciado para proteger "US interests".
• A Suécia é um membro encoberto da NATO e a partilha da inteligência dos EUA é resguardada do parlamento.
• Os EUA estão a agir de forma agressiva para conseguir que outros países recebam detidos libertados da Baia de Guantanamo. Barack Obama só concordou em encontrar-se com o presidente esloveno se a Eslovénia recebesse um prisioneiro. Ao nosso vizinho do Pacífico, Kiribati, foram oferecidos milhões de dólares para aceitar detidos.
Na sua memorável decisão no caso dos Pentagon Papers, o Supremo Tribunal dos EUA declarou: "só uma imprensa livre e sem restrições pode efectivamente revelar fraude no governo". Hoje, a tempestade vertiginosa em torno do WikiLeaks reforça a necessidade de defender o direito de todos os media revelarem a verdade.
08/Dezembro/2010
[*] Editor-chefe do WikiLeaks.

O original encontra-se em www.theaustralian.com.au/...
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

domingo, 12 de dezembro de 2010

Socialismo Utópico e Socialismo Científico

Com o surgimento do modo de produção capitalista, florescem as idéias socialistas.

Em princípios do século XVIII são destaques as idéias de Saint-Simon, Fourier e Robert Owen. São os principais teóricos do socialismo utópico como caracteriza Friedrich Engels: “Para todos eles, o socialismo é a expressão da verdade absoluta, da razão e da justiça, e é bastante revelá-lo para, graças à sua virtude, conquistar o mundo”*. Engels destaca que os socialistas utópicos não pretendem salvar uma classe específica, mas toda humanidade. Nesta linha não detectam qual ser a força transformadora que levará ao socialismo, ou melhor, basta convencer os bons burgueses.

Tendo como referência os socialistas utópicos, os economistas clássicos ingleses, principalmente Adam Smith e David Ricardo, e a filosofia alemã, com destaque para Hegel, Karl Marx em sua principal obra, “O Capital”, desvenda as forças que regem o capitalismo.

No conjunto de sua obra submete os idealistas à mais severa crítica. Rompe com os sonhos utópicos e desvenda a realidade tendo como ferramenta o materialismo histórico e a dialética. “Para converter o socialismo em ciência era necessário, antes de tudo, situá-lo no terreno da realidade”, afirma Engels**.

No Manifesto Comunista de 1848 e em toda sua obra, Karl Marx e Friedrich Engels deixam bem fundamentado que é a classe operária assalariada a força revolucionária que porá fim à exploração capitalista e rumará na construção de uma sociedade socialista. Tem assim a tarefa de libertar a sí e toda humanidade.

No alvorecer do século XXI muitos que se autodenominam socialistas estão no campo da utopia, do idealismo, que querem “salvar a humanidade” e até negam a existência da classe operária assalariada no mundo “moderno”. Inventam táticas mirabolantes que se transformam em força auxiliar da política burguesa.

É hora de retomar as bases do Socialismo Científico, definir uma estratégia e tática revolucionária.

*Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico - Friedrich Engels.
** Idem

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A guerra no Rio de Janeiro

O embate entre os traficantes e as forças policiais, incluindo também Exército, Marinha e Polícia Rodoviária Federal foi destaque na imprensa em todo mundo.
A TV transmitia ao vivo a ocupação da Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão na cidade do Rio de Janeiro. Tanques de guerra, helicópteros e militares em posição de combate criavam um cenário de guerra.

Quando assistimos compondo o exército dos traficantes, grupos de jovens pobres, de sandália, calção e alguns até sem camisa, fugindo do cerco, percebemos o quanto o capitalismo deixa o povo pobre sem alternativas.
Tive acesso ao artigo do deputado (PSOL) Marcelo Freixo publicado em 28 de novembro de 2010, na seção Tendências e Debates da Folha de São Paulo.

Reeleito com a segunda maior votação de 2010 para deputado estadual do Rio de Janeiro, o deputado Marcelo Freixo é uma referência destacada por sua atuação em defesa dos direitos humanos. Seu mandato teve como destaque sua combativa atuação como presidente da CPI das milícias, sendo por isto ameaçado de morte.

Neste artigo faz uma abordagem do ponto de vista de quem vive e conhece o problema e tem como objetivo a luta contra a desigualdade social. Reproduzimos a seguir:

“Não haverá vencedores”

“Dezenas de jovens pobres, negros, armados de fuzis, marcham em fuga, pelo meio do mato. Não se trata de uma marcha revolucionária, como a cena poderia sugerir em outro tempo e lugar.

Eles estão com armas nas mãos e as cabeças vazias. Não defendem ideologia. Não disputam o Estado. Não há sequer expectativa de vida. Só conhecem a barbárie. A maioria não concluiu o ensino fundamental e sabe que vai morrer ou ser presa.

As imagens aéreas na TV, em tempo real, são terríveis: exibem pessoas que tanto podem matar como se tornar cadáveres a qualquer hora. A cena ocorre após a chegada das forças policiais do Estado à Vila Cruzeiro e ao Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro.

O ideal seria uma rendição, mas isso é difícil de acontecer. O risco de um banho de sangue, sim, é real, porque prevalece na segurança pública a lógica da guerra. O Estado cumpre, assim, o seu papel tradicional. Mas, ao final, não costuma haver vencedores.

Esse modelo de enfrentamento não parece eficaz. Prova disso é que, não faz tanto tempo assim, nesta mesma gestão do governo estadual, em 2007, no próprio Complexo do Alemão, a polícia entrou e matou 19. E eis que, agora, a polícia vê a necessidade de entrar na mesma favela de novo.

Tem sido assim no Brasil há tempos. Essa lógica da guerra prevalece no Brasil desde Canudos. E nunca proporcionou segurança de fato. Novas crises virão. E novas mortes. Até quando? Não vai ser um Dia D como esse agora anunciado que vai garantir a paz. Essa analogia à data histórica da 2ª Guerra Mundial não passa de fraude midiática.

Essa crise se explica, em parte, por uma concepção do papel da polícia que envolve o confronto armado com os bandos do varejo das drogas. Isso nunca vai acabar com o tráfico. Este existe em todo lugar, no mundo inteiro. E quem leva drogas e armas às favelas?

É preciso patrulhar a baía de Guanabara, portos, fronteiras, aeroportos clandestinos. O lucrativo negócio das armas e drogas é máfia internacional. Ingenuidade acreditar que confrontos armados nas favelas podem acabar com o crime organizado. Ter a polícia que mais mata e que mais morre no mundo não resolve.

Falta vontade política para valorizar e preparar os policiais para enfrentar o crime onde o crime se organiza -onde há poder e dinheiro. E, na origem da crise, há ainda a desigualdade. É a miséria que se apresenta como pano de fundo no zoom das câmeras de TV. Mas são os homens armados em fuga e o aparato bélico do Estado os protagonistas do impressionante espetáculo, em narrativa estruturada pelo viés maniqueísta da eterna “guerra” entre o bem e o mal.

Como o “inimigo” mora na favela, são seus moradores que sofrem os efeitos colaterais da “guerra”, enquanto a crise parece não afetar tanto assim a vida na zona sul, onde a ação da polícia se traduziu no aumento do policiamento preventivo. A violência é desigual.

É preciso construir mais do que só a solução tópica de uma crise episódica. Nem nas UPPs se providenciou ainda algo além da ação policial. Falta saúde, creche, escola, assistência social, lazer.
O poder público não recolhe o lixo nas áreas em que a polícia é instrumento de apartheid. Pode parecer repetitivo, mas é isso: uma solução para a segurança pública terá de passar pela garantia dos direitos básicos dos cidadãos da favela.

Da população das favelas, 99% são pessoas honestas que saem todo dia para trabalhar na fábrica, na rua, na nossa casa, para produzir trabalho, arte e vida. E essa gente -com as suas comunidades tornadas em praças de “guerra”- não consegue exercer sequer o direito de dormir em paz.

Quem dera houvesse, como nas favelas, só 1% de criminosos nos parlamentos e no Judiciário…”
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MARCELO FREIXO, professor de história, deputado estadual (PSOL-RJ), é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Fonte: publicado em 28 de novembro de 2010, na seção Tendências e Debates da Folha de São Paulo.